terça-feira, 27 de setembro de 2016

Mãos Cruas. Aquilo Inexplicável

Nós parámos o tempo.

Parámo-lo com essas tuas mãos, rosas cruas de esperança. De amor.
Com essas tuas mãos famintas, sempre ávidas e tão deslumbrantemente vorazes.
Parámo-lo com essas tuas mãos tão cruas, tão cruas quanto as minhas.

Parámo-lo com este meu grande nervo, exposto nu, espalhado e vibrante por toda a superfície da pele.
Lembra-te, eu sou só um nervo que sente.
Só sente.
Como esse teu ainda maior nervo que sente.
Esse teu, que também só sente.

Nós parámos, vezes e vezes sem conta, o tempo.
Parámos essa infinita e ininterrupta série de instantes apenas com o olhar. O olhar cósmico, dominador, tão inexplicavelmente íntimo, tão inacreditavelmente real, que percorre galáxias, salta a barreira do som e do espaço. Aquele olhar tão irremediavelmente cru, tão depurado, instintivo, animal, que disputa os limites de cada corpo.

Nós parámos incessantemente o tempo.
Conservamo-lo intacto em sal. No sal desses nossos dois corpos. Desta nossa alma.
O sal do seu suor. O sal de cada lágrima.

Com o tempo assim parado, em suspenso, seríamos imortais.
Eu sei.
Mas a Terra encontra-se em contínuo movimento, e nunca sai da órbita.
A alma tão afastada da carne causa queimaduras dilacerantes e demasiado sal na pele outras tantas feridas vis. Irremediáveis.

Nós parámos o tempo.
Não soubemos morrer, até morrermos exaustos há instantes.