segunda-feira, 28 de novembro de 2016

O Menino que Só Come as Coisas que Nascem da Terra

Na escola nova do meu filho os meninos entusiasmam-se à hora do almoço com a comida que o amigo novo leva de casa. No refeitório costumam jogam às advinhas com os pratos uns dos outros, dando nome aos alimentos. Nesse momento, a educadora relatou-me que ficam muito surpresos por o Simão não ter no prato carne ou peixe e comer só coisas que vêm das plantinhas. Contou-me ainda que ele sabe explicar muito bem o que come e o que não come, mas os outros meninos têm lhe pedido diversas vezes que explique o que é ser vegetariano. 
Como não é um tema que domine e receia dar informação errada, hoje de manhã a educadora pediu-me ajuda para fazermos uma palestra acerca do vegetarianismo. Uma sessão de esclarecimento, disse-me ela mais entusiasmada que eu e com aqueles olhos azuis fabulosos a cintilar. 
Fiquei sensibilizada com o seu entusiasmo e dedicação e com a curiosidade dos meninos. Mais do que uma sessão de informação às crianças acerca do vegetarianismo e de uma introdução acerca da diversidade que o mundo encerra, sinto nestes momentos uma boa oportunidade de fazer com que o Simão se orgulhe da nossa maneira de viver este mundo e de não recear nunca sentir-se estranho por ter opções de vida diferentes, sejam elas as que forem. Temos vindo mesmo a conversar bastantes acerca desse mesmo ponto: não temos de ser iguais aos outros meninos só porque sim, mas antes ter muita alegria em sermos nós mesmos, únicos e muito felizes. 
Nunca lhe escondi nada acerca do vegetarianismo. Apelando sempre pelo máximo respeito por quem consume produtos animais, nunca escondi de onde vem a carne, os ovos, o leite e o mel e que isso provoca sofrimento (doi-dois) aos animais. Ele sabe que o fiambre vem da perna de um porco. E ri-se desse disparate. Ri-se tanto como se estivéssemos a brincar fingindo comer um carrinho, um tapete ou algumas nuvens. Para ele é tão natural e óbvio não comer animais como para os meninos da sala dele será absurdo comer pedaços de um cão, ovos de papagaio e leite de elefante. 

Lembrei-me então de utilizar uma pequena história que escrevi aquando da Semana Mundial da Alimentação que o meu filho apresentou ainda na escola antiga. O conto será lido e na parede da sala onde está afixada a roda dos alimentos comum, o meu filho irá colocar a sua pirâmide alimentar vegetariana estrita. 
Confesso que estou mesmo muito feliz por este momento. É bem significativo para quem educa um filho dentro de determinados princípios éticos não o sentir excluído, mas totalmente acarinhado na sua diferença.



                                             
A quem quiser disponibilizo a pirâmide alimentar que alterei a partir de uma existente no site Zenith Nutrition e que ilustra bem o regime alimentar do meu filho com base em frutas e vegetais frescos, poucos cereais e leguminosas e muito pouca gordura. 

Às famílias vegetarianas proponho que façam o mesmo nas escolas dos vossos filhos. Vão ver que serão recebidos de forma amorosa 

Deixo então a história do Menino que Só Come as Coisas que Nascem da Terra.

Existe um menino que vocês conhecem que todos os dias come apenas alimentos que vêm da terra, das árvores e dos arbustos. Esse menino, que tem uns olhinhos muito alegres e é muito brincalhão, está cada dia mais crescido e forte. Ele come todos os dias muitos vegetais e muita, muita fruta. A fruta - como as bananas, as maçãs, meloas, pêras, uvas, laranjas e kiwis - e os vegetais - como os espinafres, os brócolos, as cenouras, batatas, alfaces, tomates e os pepinos - são os alimentos que lhe dão a melhor energia para ele brincar horas e horas a fio com os seus amigos; a melhor energia para aprender a contar, a distinguir as cores, a acertar nos nomes das coisas e a crescer tanto e a ficar tão alto e com uma barba tão grande como a do seu pai. Sem dúvida que a fruta e os vegetais são os alimentos que tornam este menino muito forte, crescido e inteligente. 
Ups....E como é que eu me ia esquecendo de vos contar isto!? A fruta e os vegetais dão-lhe todos os dias muita força para tocar a sua viola como o seu cantor favorito, o Kurt Cobain dos Nirvana.

Esse menino que só come coisas que vêm da terra, das árvores e dos arbustos come ainda todos os dias algumas leguminosas - feijões, tremoços, ervilhas, grão de bico e, às vezes, favas. Come também frutos secos e sementes como os cajus, as amêndoas e os amendoins, as sementes de girassol, sementes de abóbora e bagas goji (de que adora!). Come ainda todos os dias um pouco de cereais como a cevada, a quinoa, o arroz, o bulgur, as massinhas em espiral de milho ou um pão de trigo ao lanche. 

Esse menino é vegetariano, tem três anos e chama-se Simão. 

Os meninos vegetarianos como o Simão comem apenas plantas e frutinhas e não comem nada que tenha vindo de um animal como o leite, os iogurtes e o queijo da vaca ou da cabra, o fiambre de porco ou peru, o peixe, a carne da vaca, da galinha ou do porco. Os meninos vegetarianos como o Simão também não comem ovos de galinha e o mel das abelhas e muitos não vestem roupa que seja feita de lã das ovelhas, pêlo de um coelho ou e não calçam sapatos que tenham sido feitos com o couro das vacas ou dos porcos.

À primeira vista tudo isto pode parecer estranho aos meninos que estão habituados a comer estes alimentos que vêm dos animais. É normal que assim seja! Mas o mundo tem pessoas muito diferentes umas das outras e aprendemos tanto quando conhecemos alguém que faz coisas de uma forma que nós nem sabíamos que existia.

O Simão é um menino muito, muito saudável, bem disposto e feliz. 
Ele adora a comidinha dele e nunca quis comer nada que não fosse vegetariano. Adora bananas, abacates, diospiros, melancias e clementinas. Adora brócolos, couve-flor, cenouras e alface. Devora cajus e tâmaras e gosta também muito de ervilhas.

E agora fica aqui um segredo entre nós, ele come tantas maçarocas de milho que às vezes parece um assustador monstrinho do milho!

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Estrelas-de-Anis

O eco dos seus passos no soalho trazia-lhe tranquilidade. Recordava-lhe o bater do coração no peito da sua mãe. Esse conforto. Por isso, passeava pela casa nas horas em que o sol espreguiçava-se pelas vidraças.
Por isso, madrugava.


Antes de desaparecer descalça pela praia ela percorria toda a casa com os seus melhores sapatos. Aqueles que ecoavam melhor sem a desnecessidade dos saltos muito altos e sem a discrição dos sapatos rasos. Dedicava-se ao seu musical com aqueles seus sapatos afinados à medida de uma sola de madeira.




O amanhecer daquela casa pertencia ao seu sapatear e às faustosas lenga-lengas das aves no jardim.
Antes das criadas sacudirem as colchas pesadas pelas janelas do piso de cima e antes mesmo de cantarolarem pela cozinha lá em baixo, ela ocupava toda a casa.
Passo a passo.

No silêncio singular daquela hora ela gostava de sentir o seu peso no tabuado. De fazer ranger cada tábua e atravessar demoradamente cada degrau alcatifado das escadas.


Quando por fim o sol aquecia a casa, acordava o seu filhinho num sussurro:
"Vem comigo à despensa, meu amor" .
Sapateava pelo corredor das criadas apertando-o no seu peito. Esse conforto.


"Inspira fundo. Sente bem o aroma do anis e escuta este meu coração."
A despensa húmida das mercearias cheirava a especiarias doces como o cabelo do rapazinho quando dormiam abraçados pela noite.


"Filhinho, nunca afastes o encanto.
Todos os dias eu dou corda aos meus sapatos. É assim que desperto o meu."





sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Salomé

Lembra-me de respirar antes de partir cada dia.  Ao entardecer, de noite...Pouco importa. Lembra-me apenas que o devo rigorosamente fazer todos os dias. 

"É hora, Cristina. Respira agora."
"Respira."
"Respira agora."

Todos os dias, minha querida. Não me dês excepção.  E lembra-me ainda que se somos todos siameses, somos todos ainda infinitamente estranhos uns aos outros. E estranhamente negligentes. Até connosco próprios.

De onde estás, desculpa-me.
Fui uma estranha para ti.
Descuidada.